Todos que trabalham ou trabalharam em empresas que já tiveram que demitir, conhecem os rumores que antecedem aos cortes e sabem como fica o clima depois. E, em tempos de crise, isso se amplifica. Por isso, mesmo tendo que reduzir despesas, as companhias estão investindo em soluções econômicas para manter os funcionários motivados. Afinal, num ambiente mais competitivo, são as pessoas e suas ideias que fazem a diferença.
O VALOR DA COMUNICAÇÃO INTERNA: UM DESAFIO
No rol das medidas adotadas para levantar o astral da equipe, destacam-se o reforço da comunicação interna, programas de reconhecimento de talento e até ações que contribuam para diminuir os efeitos da crise, como pacotes de contenção de despesas, que fazem o funcionário se sentir valorizado e/ou desafiado a ajudar. Projetos simples e baratos de serem implementados.
Ana Guedes, que tem uma agência especializada em endomarketing, a Zelig, nota que desde setembro, há uma demanda maior de empresas preocupadas com o clima organizacional. Claro, que tudo isso, como parte de um esforço maior. A comunicação seria apoiada por outras ações.
O cuidado com as equipes também se verifica no exterior. Nos Estados Unidos, epicentro dos atuais problemas na economia, aumentou o interesse de grandes corporações em programa de gerenciamento de estresse, uma das causas de afastamento do trabalho.
- Em uma palestra recente em Wyoming, fui muito questionado sobre as relações entre estresse e economia. A crise sem dúvida, aumentou a demanda de programas que possam administrar o excesso de tensão - observa o professor James Quick diretor-executivo da Goolsby Leadership Academy of Texas. Ana Guedes diz que o investimento em comunicação interna é o meio mais fácil e eficiente de impedir os boatos na chamada rádio corredor. E que comunicação interna é muito mais do que comunicados via intranet, quadros ou e-mails. Passa também por um bate-papo ao vivo entre gestor e sua equipe, o mais indicado no caso de demissões. o objetivo deve ser sempre o mesmo: alcançar a transparência.
PATERNALISMO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
- Muitas organizações ainda tem uma crença errada de que devem lidar com seus funcionários de forma paternalista e de que seu discurso deve seguir o mesmo modelo. Não é a melhor estratégia, porque nenhuma empresa vai conseguir oferecer um ambiente em condições 100% ideais. Mesmo que a verdade seja dura, ela tem que ser dita. Transparência gera confiança e tranquilidade - explica Ana.
Deborah Leite, professora de endomarketing da Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso e da Ancham - Rio (Câmara de Comércio Americana) lembra que os profissionais de hoje buscam mais do que salários e, para se manterem motivados, precisam saber onde estão e para onde vão:
- Empresas que conseguem se comunicar bem com seus funcionários conseguem mais comprometimento e dedicação. Afinal, não é possível se envolver em algo que você não conhece.
O técnico do Coritiba Renê Simões, que até reassumir o time vinha se dedicando a palestras em empresas, afirma que em seus trabalhos, sempre dá prioridade à transparência.
- E acho o realismo preferível ao otimismo exacerbado e ao pessimismo - afirma o técnico de futebol, que enquanto esteve desempregado como técnico, viu o volume de convites para palestras aumentar, por causa da turbulência financeira.
Um pesquisa realizada pela Ricardo Xavier Recursos Humanos confirma o que eles dizem: 67,1% dos 850 executivos entrevistados têm como principal motivação os desafios e as perspectivas de crescimento na empresa. Apenas 10% consideram o salário o item mais relevante. O levantamento foi divulgado em janeiro, mas segundo Priscilla Telles, gerente de consultoria da Ricardo Xavier, o cenário mudou pouco de lá pra cá, até porque, diz, a própria crise é um desafio.
- Manter-se empregado e produtivo durante um período de recessão é um desafio constante. Temos visto executivos que foram demitidos e aceitam voltar a trabalhar por salários e cargos menores, desde que tenham possibilidade de crescimento na empresa. Alguns deles têm boas reservas e até poderiam esperar uma oportunidade melhor aparecer, mas se sentem motivados assim.
Programas de incentivo à criatividade e de valorização de funcionários de destaque também ajudam as pessoas a se sentirem estimuladas neste momento, afirma a presidente da ABRH - Rio (Associação Brasileira de Recursos Humanos), Leyla Nascimento:
DAR SOLUÇÕES NOS PROJETOS: INDEPENDE DE FUNÇÃO
- Não importa o cargo ou função, todos devem se sentir desafiados a dar soluções nos projetos em que trabalham. E esta é uma oportunidade única para isso. Afinal, diante do impacto de uma demissão em larga escala, até que ponto políticas de Recursos Humanos e endomarketing podem melhorar o clima interno? Ana Guedes, da agência Zelig, conta que existe um conjunto de variáveis que forma a imagem que o funcionário tem da empresa, como salário, condições e carga de trabalho, liberdade para trabalhar em casa, além da comunicação interna, que segundo ela é capaz de alterar a percepção que as pessoas têm de todo conjunto:
- Mesmo que outras variáveis não sejam atraentes naquele momento, a comunicação interna - e o reconhecimento do empenho é possível através dela - pode fazer com que o funcionário se sinta motivado, da mesma forma que um consumidor é capaz mais por uma geladeira da Brastemp só porque ele criou uma boa imagem do produto por causa daquela campanha "Não é assim uma Brastemp".
Ana costuma se reunir com um grupo de amigas que conheceu num curso para discutir endomarketing. Ela também criaram um fórum de discussão na internet. Deborah Leite é uma das integrantes. Segundo ela, não é de agora que o endomarketing vem sendo valorizado pelo mercado:
- O investimento tem como objetivo aumentar a capacidade produtiva dos funcionários, incentivá-los a colocar em prática o que sabem.
Leyla Nascimento, presidente da ABRH -Rio lembra que a ista das melhores empresas para trabalhar são prova da eficiência das políticas de RH para elevar o astral das equipes:
- Essas empresas apresentam melhor clima interno e valorizam o funcionário como participante das decisões. O técnico do Coritiba Renê Simões, que ainda realiza palestra em empresas, costuma enfatizar a importância de ser realista em tempos difíceis. E fala com conhecimento de causa. Afinal, tirou o Coritiba da série B, livrou o Fluminense de um novo rebaixamento, levou a seleção feminina à prata nas Olimpíadas e conduziu a Jamaica a uma Copa do Mundo.
MOTIVAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE
- Sempre conto três casos que enfrentei. O Coritiba, a seleção feminina de futebol e o Fluminense. Os três estavam mergulhados num caos total. Daí explico, a importância de ser realista. O pessimista reclama do vento, o otimista espera o vento mudar de direção e o realista ajusta suas velas e tira o máximo que pode do vento atual. Todos esse times que treinei poderiam reclamar da situação ruim. Eu poderia me acomodar e esperar o vento mudar. As empresas, a mesma coisa. Esse recurso é voltado tanto para donos de empresas como para executivos e diretores - sustenta Renê, conhecido por gostar de abusar da metáforas.
O treinador ressalta ainda a importância de identificar funcionários motivadores e, mais uma vez, faz uma analogia com o mundo do futebol:
- Quando assumi o Fluminense, vi que o time tinha ganhado sete jogos e, por coincidência, em todos o Fabinho estava escalado. Independente de ser um bom ou mau jogador, ele é um vencedor, motiva a equipe. Tem que estar escalado. Nas empresas, o diagnóstico revela coisas parecidas. Funcionários motivadores, mesmo que não sejam os mais produtivos, são importantes e fundamentais num cenário de crise. As pessoas têm que considerar cada dia como O Dia de trabalho de suas vidas.
CRISE COMO PARTE DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
A consultora Heloísa Yoshida, diretora da Sistêmica Desenvolvimento de Pessoas, diz que a falta de uma política interna adequada faz as pessoas preencherem os vazios com hipóteses que são fantasiosas.
- Elas tendem a ser mais caóticas que a realidade.
Heloísa também atua como coach de carreira, aponta ainda outras medidas, porém mais caras para ajudar a melhorar a atmosfera interna, como pesquisas de clima (para medir o estresse dos funcionários), cursos e workshops que possibilitem o autoconhecimento e ajudem os profissionais a se reinventarem.
- É muito importante conscientizar os trabalhadores de que vivemos em crise e que elas fazem parte do desenvolvimento humano.
Fonte: jornal O GLOBO - Caderno BOA CHANCE 17/05/2009
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