O especialista fantasma
A edição de 30 de outubro de ÉPOCA traz o artigo A Doença Fantasma, de SUSAN ANDREWS, psicóloga que é monja iogue e que critica o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) com medicamentos. Vamos aos comentários:
1) “Desde quando esses comportamentos infantis, variando de normais a indisciplinados, se tornaram uma doença?”
ABDA: desde o século XIX, quando autores não-médicos identificaram comportamentos numa minoria de crianças que não eram observados na grande maioria delas. O diagnóstico de TDAH é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) há pelo menos 20 anos. Existem diagnósticos como câncer e hepatite, nos quais você está no grupo dos que “não têm” ou no dos que “têm”. Muitos outros diagnósticos são determinados arbitrariamente a partir de certo ponto, embora todo mundo tenha em algum grau aquelas características, como é o caso do TDAH. Não existe o grupo dos “desatentos” e dos “completamente atentos”, é uma questão de grau, do mesmo modo que ocorre com diabetes, hipertensão arterial e obesidade.
2) “Não há nenhuma evidência que ele esteja associado a uma disfunção física do cérebro”.
ABDA: existem pelo menos 100 artigos científicos (inclusive com fotografias comparando o cérebro de portadores de TDAH e de indivíduos normais) disponíveis na literatura científica.
3) “No Brasil estima-se que o TDAH atinja de 3% a 6% de crianças em idade escolar. Mais de 1 milhão de caixas foram consumidas em 2005. Virou moda no Brasil (...)”.
ABDA: A caixa de metilfenidato, usado no tratamento para TDAH, tem 20 comprimidos cada um com 10mg. Se a dose média é de 30mg, uma criança consumiria aproximadamente 5 caixas por mês e 50 caixas por ano (supondo que não seja usado nas férias). Se os dados do IBGE informam que existem 55 milhões de brasileiros com idades de 1 a 14 anos, significa que só são tratados 20.000, para um total de portadores de, no mínimo, 1 milhão e meio (!). Temos, portanto que aumentar nossos esforços para que mais pessoas sejam diagnosticadas e tratadas.
4) “(estas crianças) estão sendo sedadas”
ABDA: os medicamentos usados no tratamento do TDAH são estimulantes e não causam nenhum tipo de sedação.
5) “(estes medicamentos) podem provocar danos cerebrais permanentes e irreversíveis (...)”.
ABDA: qualquer indivíduo tem a obrigação moral de informar às autoridades de vigilância sanitária do Brasil e do mundo acerca de estudos científicos comprovando o que foi afirmado acima, uma vez que estes dados são graves e não são conhecidos pelo meio científico e acadêmico.
6) “Imagine agora se Winston Churchill – ganhador do Prêmio Nobel – tivesse sido sedado com drogas para hiperatividade” .
ABDA: realmente, se o seu filho tiver a inteligência e a capacidade invejável de Winston Churchill, a leitora não precisa se preocupar caso ele tenha TDAH, fobia, dislexia, depressão ou qualquer outra coisa. TDAH ocorre em qualquer indivíduo, à semelhança da epilepsia, por exemplo, e isto em nada modifica a necessidade de se tratar a doença na população.
Sugerimos que o leitor consulte a base de dados PubMed, a maior ferramenta de busca de pesquisas científicas do mundo, procurando saber se os articulistas que se dizem “especialistas” sobre TDAH alguma vez já publicaram pesquisas
A ÉPOCA inaugurou as colunas assinadas por especialistas fantasmas...
Paulo Mattos
Professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Presidente da ABDA – Associação Brasileira do Deficit de Atenção.
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