Por Paulo Freire
Fonte: FREIRE, Paulo - Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, Editora Paz e Terra, 1996.
Se há algo que os educandos brasileiros precisam saber, desde a mais tenra idade, é que a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles. A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade dev ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte. O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela mesma quanto dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a seu direito de ser. Um dos piores males que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil, historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer muitos de nós correr o risco de, a custo de tanto descaso pela educação pública, existencialmente cansados, cair no indiferentismo fatalistamente cínnico que leva ao cruzamento dos braços. "Não há o que fazer" é o discurso acomodado que não podemos aceitar.
O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, que não devo agravar com procedimentos inibidores exige de mim o cultivo da humildade e da tolerância. Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar meu desconhecimento? Como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender, como maior ou menor esforço, a conviver com so diferentes? Comoo ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem. Desrespeitado como gente no desprezo a que é relegada a prática pedagógica não tenho porque desamá-la e aos educandos. Não tenho porque exercê-la mal. A minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada contra os ofensores. Aceito até abandoná-la cansado, à procura de melhores dias. O que não é possível é, ficando nela, aviltá-la com o desdém de mim mesmo e dos educandos.
Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e exercê-la como prática afeitva de "tias e de tios".
É como profissionais idôneos - na competência que se organiza politicamente está talvez a maior força dos educadores - que eles e elas devem ver-se a si mesmos e a si mesmas. É neste sentido que os orgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política e repensar a eficácia das greves. A questão que se coloca, obviamente, não é parar de lutar mas, reconhecendo-se que a luta é uma categoria histórica, reinventar a forma também histórica de lutar.