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PSICOTRÓPICOS: PROPOSTA QUÍMICA PARA ESTADOS E OSCILAÇÕES DE ÂNIMO INDESEJADOS (PARTE 2)

 PSICOTRÓPICOS: PROPOSTA QUÍMICA PARA ESTADOS E OSCILAÇÕES DE ÂNIMO INDESEJADOS (PARTE 2)

  • A banalização do consumo (CONTINUAÇÃO)

Uma das hipóteses que se propõe a explicar a explosão no consumo de psicotrópicos tem como argumento central o período turbulento que a humanidade estará atravessando e a correspondente diminuição da resistência das pessoas em tolerar o acirramento de pressões. Haverá um mal-estar coletivo, traduzível em um conjunto de transtornos de saúde física e mental, tais como dores difusas, depressão ansiedade e pânico, afetando principalmente as populações dos centros urbanos.

Fruto em grande parte, de condições socioeconômicas do  capitalismo globalizado, essa síndrome coletiva contaria também com raízes culturais. Luz (1997:18) argumenta que transformações recentes observadas na cultura estariam propiciando  "perda de valores humanos milenares nos planos da ética, da política e mesmo da sexualidade, em proveito da valorização do indivíduo, do consumismo, da busca do poder sobre o outro e do prazer imediato a qualquer preço como fontes de consideração e status social". Sustentada pelos meios de comunicação em massa, essa profunda mudança de valores se traduz em "incerteza e apreensão quanto ao como se conduzir e ao que pensar e sentir em relação a temas básicos como sexualidade, família, nação, trabalho, futuro como fruto de uma vida planejada etc.".

O uso de psicotrópicos seria uma das respostas a esse mal-estar genenralizado. Para os seus consumidores, eles agiriam como uma defesa frente às agressões impostas pelo estilo de vida contemporâneo. A decisão de consumi-los seria o resultado  de uma fatalística escolha entre a droga e a tensão.

Uma segunda corrente explicativa, associa o aumento no consumo de psicotrópicos aos limites observados no modelo de atenção á saúde, seja no serviço público ou nos sistemas de planos e seguros privados de assistência. Modelo em que o médico é frequentemente constrangido pelo excesso de demanda e pela falta de condições adequadas de atendimento. Nestas condições, lhe é difícil dedicar tempo suficiente ao paciente para investigar a origem dos problemas psicoemocionais e conversar com ele sobre possíveis reformulações na condução de sua vida. Para aliviar sintomas, acaba prescrevendo um tranquilizante ou um antidepressivo. Sobrecarregado de trabalho, com uma formação que privilegia a terapêutica farmacológica e influenciado pela propaganda dos laboratórios, ele escreve a receita e libera o doente. 

Os clínicos gerais, seguido dos cardiologistas estariam receitando mais psicotrópicos do que os psiquiatras e os neurologistas. Entre os principais distúrbios que motivam a prescrição estão a ansiedade, as fobias e a depressão. Doenças mentais de maior gravidade (tais como as psicoses, as demências e os distúrbios obssessivo-compulsivos) estariam ocupando uma proporção menor no voume total de prescrições, fato que contraria  a concepção de vários especialistas, para os quais a utilização dos psicotrópicos é indicada principalmente nestes casos.

Este consumo de psicofármacos é explicado por ele em três causas: O período turbulento que a humanidade atravessa nos últimos 30 anos, nossa resistência para tolerar pressões ambientais, que está diminuída e diminuindo e atitude leviana de alguns médicos, que pressionados por atos admnistrativos, acham mais cômodo medicar do que conversar com o paciente sobre como ele poderia reformular sua vida (Jornal do Brasil, 26 jan, 1981).
... Em São Paulo 10% da populção utilizou psicotrópicos ao longo de 1990, número equivalente ao colhido em algumas das grandes metrópoles mundiais (...). Os remédios mais usados foram os tranquilizantes consumidos por 8% dos entrevistados. (...) As mulheres utilizam mais psicotrópicos que os homens: 14% contra 5%. Quem mais prescreve o medicamento é o clínico geral (46,9%) seguido dos cardiologistas (15,3%), neurologistas (4,5%) e outros (21,6%) (Veja, 15 jul, 1992).

Os médicos estariam receitando mais psicotrópicos do que a ciência e a prudência recomendam. Frequentemente recorrem a estes medicamentos sem uma consideração suficiente dos fatores psicológicos, familiares, ambientais ou sociais. O rótulo de doença por vezes, inibe as investigações sobre o que pode estar por trás do desajuste.

Em síntese, tanto a organização dos serviços de atenção à saúde quanto ao despreparo dos clínicos para lidar com problemas psicoemocionais contribuem para a prescrição excessiva se encontram na raiz do consumo indiscriminado e por tempo prolongado de psicotrópicos.

Há ainda uma terceira vertente explicativa para o grande consumo destes fármacos. Nela, a ênfase é atribuída ao hábito de ingerir substâncias farmacológicas como meio de resolver dificuldades da vida. Haveria um condicionamento das pessoas aos medicamentos. Desde cedo, os bebês são tratados com gotinhas de neurolépticos, sedativos e xaropes. Muitas frustrações experimentadas pelas crianças tendem a ter uma contrapartida em remédios, em algo que se ingere. A pessoa cresce condicionada a buscar resolver seus problemas e angústias com medicamento, bebida alcoólica ou a drogas. O modelo está presente na própria família, invadindo a vida da pessoa desde o nascimento.

Não se sabe o suficiente sobre conexões entre álcool, psicotrópicos e drogas ilícitas, mas supõe-se que elas existam. Alguns argumentam que o consumo de uma droga precede e dispõe ao consumo de outras drogas. Calcula-se que pelo menos 10 a 12% dos brasileiros consomem algum tipo de psicotrópico, a maioria do ponto de vista terapêutico, desnecessariamente. Diante de contrariedades emocionais corriqueiras, como vontade de chorar, ansiedade ou frustração, eis o copo d’ água e o comprimido de tranquilizante. Em situações de tristeza e desânimo, às vezes benéficas para refrear excitações prejudiciais e permitir a oportunidade de reflexão e auto-análise, mantém-se o copo d’ água e troca-se o tranquilizante pelo antidepressivo, de maneira automática, irrefletida e, o que é pior, viciosamente.

As pessoas tendem a procurar na medicina a solução para grande parte dos seus problemas e limitações. Buscam em medicamentos e drogas mudar o seu temperamento, sua personalidade, o seu estado de espírito. Na esteira desta tendência, a indústria farmacêutica amplia seu mercado, recorrendo a uma forte difusão de informações, com argumentos sedutores e, não raro distorcidos, para vender a idéia de que psicotrópicos promovem não somente a sanidade mental, mas também a alegria de viver. A cada lançamento de um novo produto há um bombardeio maciço de marketing direcionado aos médicos, o que reflete, por sua vez sobre o número de diagnósticos de transtornos psíquicos.

Ao lado disso, a venda desses medicamentos sem receita médica, apesar da existência de legislação restritiva também contribui para o consumo descontrolado e irracional. A automedicação com psicotrópicos é um fenômeno presente em todas as classes sociais. O número excessivo de farmácias, combinado à ausência de pelo menos um farmacêutico em cada uma durante todo o período em que permanece aberta, só fazem agravar o abuso no consumo desses medicamentos. A omissão ou o controle insuficiente das autoridades, o espírito mercenário de alguns proprietários de farmácia e drogarias e a ganância irresponsável de alguns laboratórios farmacêuticos compõem parte importante deste quadro.

Fonte: Vitaminas, analgésicos, antibióticos e psicotrópicos - Vantagens e perigos do uso de medicamentos  da indústria farmacêutica mais consumidos no Brasil - Marilene Cabral do Nascimento Ed Vieira e Lent/ RJ 2003.

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