Cultura Zero
Ruy Castro
RIO DE JANEIRO. Imagine uma cidade sem cinema, biblioteca ou livraria. Não é difícil, esta é mais ou menos a regra. Bem, se tal cidade existe também não terá um teatro e muito menos um museu. Talvez nem mesmo um jornal, semanal que seja. Muitas não têm nada disso e, apesar de todo o prestígio da música popular, também não contam com uma casa de shows, loja de discos, nem pensar.
Donde essas cidades são habitadas por pessoas que nunca assistiram a um
filme ou peça de teatro. Espetáculo de dança, esqueça. Nunca ouviram um
concerto, nunca viram um quadro ou escultura importante e, bem provável, nunca
leram um livro que não fosse o da lição. Da mesma forma, nunca recitaram ou
ouviram um poema, não sabem o que é ópera e os cantores que conhecem é por
ouvir falar.
Há muitas cidades assim no Brasil. E não pense que sejam burgos perdidos
no sertão ou no meio da selva amazônica. Alguns são bem conhecidas pelo nome e
ficam em estados prósperos e orgulhosos, mais perto de nós do que imaginam. São
dados do IBGE, colhidos no último recenseamento, não muito difíceis de
consultar.
O que não falta nessas cidades é televisão – porque 95% dos lares
brasileiros têm pelo menos um aparelho. As não é bom para ninguém, nem para a
televisão, que ela seja o único contato das pessoas com o mundo. Claro que não
demora muito, todas terão internet e, quando isso acontecer, dar-se-à o
fenômeno de cidades que passaram da cultura zero para o universo digital, onde
supostamente cabe tudo, sem o estágio intermediário, milenar da cultura
analógica.
Essas cidades podem ser zero em cultura, mas têm prefeitura, câmara
municipal. E em época de eleição candidatos a deputados, governador e talvez
presidente devem aparecer por lá, com grande cara de pau. Interessante país,
este que estamos formando.
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