Dependentes de gadgets, usuários se esquecem de coisas simples e raciocinam menos
André Machado
O professor do MIT Nicholas Carr já disse em seu livro "The big switch" que a internet está nos deixando mais burros e dificultando o aprendizado. A gora, o jornalista especialista em TI Robert Vamosi, autor de "When gadgets betray us" ("quando os gaddets nos traem"), defende que não só a rede, mas nossa dependência crescente de PCs, celulares, tablets e afins, está afetando nossa capacidade de raciocinar. Num trecho do livro, ele dá o exemplo de uma mulher tão concentrada no GPS de seu smartphone no interior da Inglaterra, que ao parar o carro e abrir a porteira de uma fazenda que levava a seu destino, não viu que estacionara sobre uma linha de trem. Logo uma composição passou em alta velocidade e esmagou seu carro, a metros dela. "Pude sentir o vento no meu rosto", contou ela.
O vício em internet (em inglês internet addiction disorder) já afeta entre 5% e 10% dos internautas, segundo números da Universidade de Havard, nos EUA. Estudos no Centro para Comportamento na Internet acrescentam que 6% dos usuários são propensos à compulsão ao acessarem serviços como sites de sexo, jogos e apostas e compras. Já há centros para tratar essa dependência como o ICAS (Internet and Computer Addiction Service) e o reSTART Internet Addiction Recovery Program, que tem até 12 passos que lembram um pouco os dos Alcoólicos Anônimos.
- Relatos de pais sobre a vida tecnológica de seus filhos demonstram que isso acontece com frequência - confirma o psiquiatra Maurício Tostes, do Hospital da UFRJ - É, preciso observar se a compulsão não é uma fuga de frustrações no trabalho, no estudo ou na vida social.
'Não sei nem mais o telefone de casa'
Entre os efeitos da dependência está a perda de velhos hábitos. Por exemplo: com memórias cada vez mais abundantes nos equipamentos, criam-se agendas intermináveis e a antiga capacidade de decorar números acaba ficando de lado.
- Eu não sei mais nem o número de telefone da minha casa - confessa Alexandra Monteiro, Diretora do Laboratório de Telessaúde da UERJ. - Creio que isso se deve à limitações de nossa memória cerebral que, na nossa geração, não foi treinada para isso e vem perdendo as funções fisiológicas de armazenamento com o estímulo das diversas mídias.
Bruno Salgado, diretor da empresa de consultoria de segurança Clavis, está tão dependente da tecnologia em sua vida que, numa viagem a São Paulo na semana passada, usou a internet dentro do táxi todos os dias.
- Eu e meus colegas tínhamos dois eventos para ir - conta- mesmo sem saber o endereço, entrávamos no táxi e pedíamos que nos levasse a determinado bairro. Durante o trajeto, checávamos o endereço pela internet e passávamos ao motorista. Também usávamos a web e o GPS para achar restaurantes nas redondezas de nosso hotel e verificávamos on-lne o que havia no cardápio.
Salgado lembra que hoje nem um apagão impede a navegação on-line, via notebooks e smartphones - pelo menos até o fim da bateria.
A dependência - que pode, segundo as instituições especializadas, ocasionar compulsões específicas como o vício de teclar SMS - é mais visível na geração Y, que já nasceu conectada à rede e vive em função das redes sociais e afins. É o caso da estudante universitária Gabriela Caesar tão apaixonada pelo seu iPhone que quase esqueceu a matemática.
- Nas aulas de matemática na escola era proibido usar calculadora. Quando saí do colégio desaprendi a fazer conta - admite - Uso a calculadora do iPhone para calcular qualquer coisa, como media de determinada matéria da faculdade. Quando recebo o troco? Não confiro. E não sou a única, com colegas às vezes acontece o mesmo.
Gabriela tem todos os seus contatos no iPhone, e usa intensamente o calendário para anotar tudo o que tem de fazer, além de dados das matérias na faculdade. Diz que não precisar se lembrar de nada, pois tem tudo no aplicativo, que a avida. E é igualmente unha e carne com o Google.
- Conheço alguém, ouço algo, já jogo no Mr. Google, o gênio da internet. Também procuro nele informações sobre mim, sobre minha imagem - diz.
- E de novo, não estou só. Você acha que o funcionário do RH que vai me contratar um dia não fará o mesmo?
O mais recente grude de Gabriela é o iPhad 2. Segundo ela, é impossível sair de casa sem checar o Twitter e os e-mails nele. Se vivesse nos EUA, certamente a estudante faria parte dos 35% dos usuários de smartphones que já os checam antes de levantar da cama, segundo a pesquisa da Ericsson.
Para a professora do Departamento de Informática da PUC-Rio Karin Breitman, as agruras e delícias de nosso relacionamento com a computação já eram previstas nos anos 60 pelos teóricos da comunicação Marshall Mcluhan, cujos ensinamentos vêm sendo resgatados agora, em pleno mundo digitalizado.
- Numa frase de 1962, ele já dizia que o computador "apanharia a função enciclopédica do indivíduo e a jogaria numa linha privada com dados rapidamente gerados, e vendáveis" - lembra Karin.
Já para Henrique Cukierman, professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COP-PPE/UFRJ, toda vez que surge um fato novo na história da humanidade, ganha-se a perde-se algo.
- Quando o homem começou a andar ereto, seu equilíbrio ficou mais instável, mas ele ganhou o movimento de pinça nas mãos e pôde usar a boca para articular a fala - afirma Cukierman - Da mesma forma, com a tecnologia digital, ganha-se em algumas áreas e perde-se em outras. Além do mais, a vida do ser humano no coletivo depende de artefatos. Estou falando com você por um deles (o telefone) agora mesmo.
Dicas para fazer uma 'dieta tecnológica'
Como evitar ficar dependente da rede e dos gadgets? Com duas medidas: consciência e administração do tempo. Segundo o reSTART, uma "dieta de tecnologia" prevê desligar celulares durante as refeições, largar redes sociais e games na hora do trabalho/estudo, deixar de lado o gadget quando estiver com amigos e familiares e procurar atividades que estimulem o raciocínio.
- A pessoa deve tentar observar o quanto a tecnologia a está absorvendo, e o quanto deixa de interagir com outras pessoas por causa dela - afirma o psiquiatra Maurício Tostes.
Para Daniel Schtwabe, professor da PUC-Rio, conscientização e bom senso são importantes.
- Com o automóvel também foi assim, hoje conhecemos seus prós e contras - diz- - O problema com a tecnologia é a sua velocidade vertiginosa, que dificulta essa conscientização.
Alguns já procuram equilibrar sua relação com a TI.
- Quando viajo, gosto de passear e conversar com os locais. Muito melhor que um GPS - conta David Svalter, diretor da Tantum Computing - Gadgets são ferramentas, não sinônimos de qualidade de vida.
O advogado Renato Opice Blum diz que prefere observar e memorizar mapas e recorrer a um aparelho de navegação.
- Assim exercito minha mente, ainda que de forma parcial.
Já Alessandra Archer, que trabalha com tecnologia da educação à distância, não dispensa caderninho e caneta na bolsa.
- É o jeito de não me entregar de todo à tecnologia.
Fonte: Jornal O GLOBO - Digital e Mídia (23/05) p. 19