NÃO EXISTE FÁBRICA DE EXECUTIVOS
Capacidades - Consultores discutem se há ausência de competência dos gestores ou uma cultura de seleção que espera os profissionais prontos. Alguns quesitos como planejamento e objetividade são pontos fracos
Por Bianca Melo
A maioria das empresas querem encontrar no mercado um executivo preparado para satisfazer suas necessidades. Consultores acreditam qu apesar dos profissionais brasileiros estarem antenados às melhores práticas mundiais, ainda ficam para trás em alguns requisitos. Falta de profissionalismo e dificuldade de planejar e executar tarefas são as lacunas mais atadas. O brasileiro, para eles, é em geral muito voltado ao relacionamento cordial e, às vezes, deixa que fatores subjetivos superem a objetividade na hora de tomar uma decisão ou fazer uma avaliação.
"O lado negativo é que a gente pode dizer que nem sempre as melhores pessoas estão nos melhores lugares ou cargos de hierarquia da empresa em função exatamente do conhecimento, mas das amizades. Estatísticas mostram que de dez contratações, sete são indicações" disse o sócio da consultoria de marketing Immersion Estratégia Aplicada, Jorge Saraiva.
A falta de profissionalismo influencia negativamente mas em alguns momentos, pode ter efeitos benéficos. O lado positivo destas relações do brasileiro é que as pessoas são mais comprometidas a contribuírem com as outras pessoas da equipe. De repente não pela empresa, mas sim pelas pessoas que estão ali. Em determinado momento isto vai impactar positivamente a empresa e o ambiente de trabalho, pondera Saraiva.
Para o sócio da Enora Leaders, empresa que realiza cursos para empresas, João Marcelo Furlan, o brasileiro tem dificuldade em cumprir cronogramas e deixa para se preocupar com o prazo na hora em que ele está se esgotando. "Falta respeito cronograma e antecipação. O ato de deixar para última hora impede que realizem o planejamento e, se este for realizado, a execução. Além disso, sobrecarrega os executivos", disse Furlan.
O diretor executivo da Immersion confirma a teoria de que não há respeito ao cronograma. Ele acredita que apenas no final do prazo vem a preocupação. " Na parte de planejamento e execução, o brasileiro está muito acostumado a pegar e fazer. Isto é bom em alguns momentos. Mas na maioria das vezes, estamos sempre um pouco atrás na hora de seguir um cronograma. Quando começa a dar problema é que corre atrás. A preocupação vem depois e não no início do projeto". conclui Saraiva.
Na opinião do sócio da Luz Consultoria, Daniel Pereira, o executivo possui dificuldade de execução das tarefas porque o ensino no Brasil é muito baseado em teorias. " O País ainda é um pouco ultrapssado na utilização de casos e na forma de ensinar um pouco mais prático. Apesar de estar melhorando, ainda é uma coisa relativamente pouco encontrada. Por isso, as pessoas têm dificuldade de execução: Faz-se muita reunião, discute-se muito. As pessoas ainda se baseiam em teorias, quando na realidade, quem vai de fato bater o martelo é a prática", afirma Pereira.
Por medo da crítica, as pessoas buscam soluções ideais. Cabe às empresas ensinarem que somente testando e errando é que se vê se o projeto funciona de verdade. A crítica deve trabalhar a favor. " A empresa deve ensinar a fazer testando, simulando uma rotina. Ensina a começar executando, mesmo que não seja a versão mais completa do mundo, mas que ela seja feita e construída dentro de uma realidade de execução. Os trabalhos devem funcionar como pequenos laboratórios em que vamos testando e fazendo acontecer, ao mesmo tempo em que estudamos", disse Pereira.
Processos Seletivos
O coordenador nacional do curso de RH da universidade Estácio de Sá. Marcos Barros, acredita que há uma cultura organizacional de seleção que espera encontrar já pronto o conjunto das competências nos profissionais do mercado. " Não é um problema do executivo, em primeiro lugar. O foco da área de desenvolvimento está mudando. A empresa espera encontrar já pronto no mercado aquilo que ela precisa. Isto é um engano.", ressaltou o consultor.
"Veja, por exemplo, os progrmas de seleção de trainee. São verdadeiros programas de tortura. "Às vezes são 20 vagas para 30 mil inscritos. E quase sempre o selecionador chega à conclusão de que se ele jogasse fora nove entre dez daqueles candidatos, ainda assim não teria um sequer para ocupar a vaga.
Será que de fato, há a ausência de competência do candidato ou a empresa exige demais? Completou Barros.
A contratação de pessoas deveria estar baseada nas atitudes dos candidatos e naquilo que eles têm como objetivo profissional, opina o sócio da Luz Consultoria, Daniel Pereira. "Nos anúncios de vagas, as empresas buscam o super-homem. Enquanto as pessoas continuarem achando que as universidades e as pós-graduações, vão entregar profissionais prontos , infelizmente vai continuar todo mundo reclamando. Tem que entender o seguinte: pega a pessoa e contrata pela atitude, pela capacidade que você enxerga que ela possa desenvolver.".analisou.
"Existem alguns autores de gestão que defendem que o mais importante não é a pessoa ter a cultura da empresa ou a capacidade técnica naquele momento. O mais importante é o que ela pensa da vida, sua ética,e aonde quer chegar. É muito mais difícil treinar uma pessoa a pensar de forma correta do que treinar para trabalhar com um software, afirma o sócio da Immersion Estratégia Aplicada, Jorge Saraiva.
Segundo consultores, o mercado cresce mais rápido do que a capacidade que as escolas têm de entregar profissionais. É uma armadilha que a próprias organizações se impuseram no passado. Em sua expansão crescente, houve falta de planejamento no desenvolvimento dos seus sucessores. Hoje, por desespero e falta de opção, tentam encontrar estes profissionais no mercado, o que não é o ideal.
"Treinamentos e cursos são a única solução de médio e longo prazo, já que demora-se mais para desenvolver pessoas do que buscá-la no mercado. Porém as empresas conseguem formá-las exatamente com as habilidades necessárias para o negócio, com os valores e a cultura da companhia. Estes programas de desenvolvimento podem ser intensivos também, tendo a eficácia de curto prazo", disse o sócio da Enora Leaders, João Marcelo Furlan.
"Primeiramente a empresa deve olhar para dentro e verificar o que precisa de fato. Depois deve fazer com que a área de desenvolvimento forme os seus sujeitos internos para chegarem a estes aspectos. As organizações têm que perceber que para terem o que desejam, do jetio que elas pensaram, terão que investir na mão-de-obra que já têm". Conclui o coordenador nacional do curso de RH da Universidade Estácio de Sá.
Fonte: Jornal do Commércio - Seção: JC e Gerência (23/08)