Trouxe este texto por achar que o mesmo tem um modo inovador (pelo menos para mim) de tratar a questão ambiental. Além do texto saboroso, há uma ironia que vai direto em alguns conceitos que foram se enraizando no nosso cotidiano. É um bom exercício de reflexão.
Fonte: Revista ÉPOCA
Ai de nós humanos! Não somos mais o sal da Terra. Somos o Mal da Terra. Assim mesmo: Mal com M maiúsculo e Terra com T grande. À medida que se aproxima o Rio+20, a grande conferência internacional sobre o clima, natureza, desenvolvimento sustentável etc., que acontecerá no Rio de Janeiro em junho, mais e mais temos notícia da nossa malignidade planetária. Virou um bordão generalizado. Nós, esses 7 bilhões de falantes, andantes e errantes mortais, somos os culpados pela triste sina do nosso planeta.
Quem vem reforçando essa sentença, do alto da sua altíssima autoridade, é a Ciência (também com maiúscula). Há poucos dias, um grupo de estudos da Royal Society veio corroborar uma vez mais o veredicto afirmando que o planeta não será sustentável se a gente não tomar juízo. A população mundial deverá alcançar a marca de 10 bilhões ao final do século, o que segundo os pesquisadores, não é nada bom. Quanto mais gente, pior. Os cientistas recomendam a difusão em massa de contraceptivos, especialmente para os países menos desenvolvidos onde a turma parece seguir mais ao pé da letra aquela velha ordem: "Crescei e multiplicai-vos". Os países ricos também têm culpa. Neles o consumo excessivo, o desperdício de energia e a produção de lixo são a doença. Também aí, a inversão do quadro depende de nós. "Depende da vontade humana" afirma Jonh Sulston, coordenador do estudo da Royal Society, segundo noticiou a BBC no final de abril. Sulston, ganhador de Prêmio Nobel de Medicina em 2002, é otimista. "Não é algo predestinado, algo que esteja fora do controle da humanidade; está em nossas mãos".
NInguém aqui vai blasfemar contra a Ciência. Muito menos ironizá-la. Atualmente, não é deselegante caçoar das religiões, mas não é de bom-tom zombar da ciência. Seria quase um pecado mortal. Ademais, ninguém aqui há de ir contra a preservação do planeta qualquer que seja a motivação. Salvemo-lo. Tudo bem. Mesmo assim uma perguntinha, só uma, talvez seja cabível: essa tese de que a sobrevivência do planeta depende da vontade humana, bem será que não é um pouco, digamos, imodesta demais? Seríamos assim tão determinantes? Será que não existe, aí, mais que descobertas científicas, um pouco de ego ferido?
Vejamos. O amor próprio da humanidade anda sofrendo abalos. Até o século XVI, acreditávamos habitar o centro do Universo. Veio Copérnico e nos alertou que o centro era o Sol. Até o século XIX, ninguém ousaria nos apontar como descendente dos macacos. Pois veio Darwin e provou que não éramos obra do sopro de Javé. Até o séc XX, jurávamos que nossa consciência, nossa razão soberana, governava nossos atos até que Freud demonstrou que o ego não é senhor nem mesmo em sua própria morada. O ego ficou desmoralizado.
Foi então que essa palavra de ordem - Vamos salvar o planeta pessoal! veio nos redimir. Ou melhor, veio nos trazer um breve alento, pois as evidências sobre a nossa desimportância andam mais enfáticas que nunca. Já sabemos que nem mesmo o astro rei é o centro do Universo. Aliás, o Universo não tem bem um centro, embora provavelmente tenha tido um princípio, há 13,8 bilhões de anos. Seu tamanho também ficou difícil de deduzir. Para alguns, ele teria exatos 13,8 bilhões de anos- luz de raio (pois se expandiria na velocidade da luz). Outros já confirmaram que ele tem uma extensão de 156 bilhões de anos- luz. De um jeito ou de outro, o peso do planeta Terra no meio disso é menos relevante que um peso de um grão de areia no deserto. Mesmo se a humanidade tivesse armamento para desintegrar a Terra, algo que ela não tem (suas bombas dariam conta de extinguir boa parte da vida na superfície de nosso grão de areia, e olhe lá), se o planeta inteiro sumisse de uma hora para outra, nada mudaria no Cosmo.
Por isso há um quê de megalomania, de onipotência nesse discurso salvacionista. Desde de que surgimos há algumas dezenas de anos, dependemos mortalmente do planeta. Agora, nos deleitamos em afirmar que ele que depende de nós. Talvez seja um recurso psíquico necessário: ao nos declaramos o Mal da Terra, abrimos o caminho para nos proclamarmos, em seguida a cura de Terra. Nada mal para quem andava tão por baixo. Um discurso egóico? Talvez. Mas se ele nos levar a uma vida mais harmoniosa, sigamos adiante. Viva a natureza! Abaixo os saquinhos plásticos! Todos à Rio +20!