Explicam-se essas noções: para se firmar e buscar referência na existência, o ser humano nos séculos 17 e 18, agencia as suas faculdades (intelecto, fala, visão, imaginação etc.) a uma idéia de infinito. Essa questão - mensurar o eterno, o divino - é a marca do pensamento filosófico da época (vide para tanto a obra de Espinosa, Descartes e Leibiniz*). No século seguinte, o homem se resigna diante da morte e tenciona toda a sua capacidade no problema da finitude. Nasce daí o ateísmo, o capitalismo e a linguística. Mas do século 20 em diante, segue Nietzsche, seria essencial ao pensamento humano estabelecer relações com o que poderíamos chamar de finito-ilimitado, que nada mais seria do que afirmar a vida com toda a sua multiplicidade de diferenças.
Leibniz. Nascido em Leipzig. Gottfired Wilhelm von Leibniz (1646-1716) foi um filósofo, cientista e matemático. Leitor de Aristóteles, Platão, Descartes e Galileu. Doutorou-se pela Universidade de Altdorf. Escreveu, entre outros, Discurso de Metafísica. Tornou-se famoso pela Teoria das Mônadas.
Prelúdio a uma arte, a uma filosofia do porvir; a afinação que Nietzsche e Wagner vinham fazendo era apoteótica e requeria uma retidão inquebrantável para que não se traíssem no meio dessa jornada.
AMIZADE ABALADA
Mas o compromisso de se manter teso a esses objetivos era um tremendo desafio para a natureza inconstante de Wagner. Nietzsche dava mostras de descontentamento com o compositor à medida que este se associava a noção do super-homem à superioridade da cultura alemã em detrimento das demais, principalmente a judaica.
Analisando a obra de Wagner, desde muito antes de o governo alemão conceber-lhe anistia pelos seus atos revolucionários, o compositor já coloria com tons nacionalistas, uma vez que a maioria das suas óperas consistia em representações ufanistas de mitos nórdicos- germânicos. Pode-se também ser entendido o envolvimento que travou com o rei da Baviera, Luis II, majestade que o protegeu e arcou com os custos da construção do teatro de Bayereuth, projetado por Wagner para ser templo da nova arte.
E foi com a exibição da última ópera do compositor - Parsifal (1882) - que o filósofo sentiu-se definitivamente traído. Não somente outras idéias norteavam a referida peça, mas inclusive aquelas repudiadas e execradas pelo próprio Wagner até então: a compaixão, a piedade, o ressentimento e a renúncia de existência. Esse fraquejamento de espírito, demonstrado pelo músico, costuma também ser explicado pelo envolvimento com a Igreja Católica, ao budismo e ao pensamento de Arthur Schopenhauer - metafísico alemão que o jovem Nietzsche admirava. Pelos novos rumos adotados pelo compositor, a salvação do ser humano estaria condicionada na sua ligação a uma instância superior - idealizada, dita perfeita, indolor, pura-ordem -, instância esta que poderia ter o nome de "deus" ou até mesmo de um "reich".
Sua arte antes libertadora do homem, agora se tornou prisão do espírito; o que era manifestação máxima da potência, agora se transformou em instrumento capcioso do poder; o que era a mais sublime manifestação do trágico, agora evidencia uma fuga desesperada da realidade; mero entretenimento. E envolto em riqueza e fama, Wagner morre de ataque cardíaco na sua mansão em Veneza em 1883,
Dessa abrupta ruptura, Nietzsche mais do que nunca necessitava se aliar com artistas cujas expressividades formavam fibra com as dele. E, através " da música límpida de Peter Gast* principalmente, o filósofo recuperou o ânimo e o fôlego para continuar na missão a que se propôs: afirmar, com toda intensidade e brilho, a conquista de uma vida livre e soberana.
Peter Gast : Incluía como faixa 4 do album Uns (1983) de Caetano Veloso, a música "Peter Gast" composta pelo músico de Santo Amaro da Purificação, trazia versos como "Sou um homem comum/qualquer um/ enganado entre a dor /e o prazer/hei de viver e morrer/ como um homem comum/mas o meu coração de poeta/ projeta-me em tal solidão/ que às vezes assisto/ a guerras e festas imensas/sei voar e tenho as fibras tensas/ e sou um.
Referências:
Deleuze, Giles, Foucalt. In: Sobre a Morte do Homem e o Super-homem. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005;
_____________, NIetzsche e a Filosofia. Porto: Rés- Editora 2001;
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000;
_____________. Genealogia da Moral - Uma Polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998;
____________ . Wagner em Bayereuth - Quarta Consideração Extemporânea, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009;
____________. O Caso Wagner e Nietzsche Contra Wagner, São Paulo: Companhia das Letras, 2003;
____________. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Comentários
Postar um comentário