Empresas invertem ordem do processo de seleção e passam a dar mais peso à entrevista que ao currículo
Maíra Amorim
Fonte: O Globo Boa Chance
Jurados sem informação alguma sobre os concorrentes que, no palco, se apresentam cantando. É assim a dinâmica do "The Voice", novo programa da TV Globo que pretende revelar um novo talento da música. A idéia é que os juízes que ainda ficam virados de costas, não façam nenhum pré-julgamento e que sejam imparciais. No mercado corporativo, prática similar começa a ser adotada por empresas que querem dar mais igualdade de oportunidade e valorizar o potencial de desenvolvimento profissional. Assim, a entrevista passa a ser a etapa prioritária do processo seletivo, ficando o currículo em segundo plano. em alguns casos, o documento só é olhado depois de um encontro entre candidato e recrutador. É a valorização do cara a cara, reflexo tanto de mudança no perfil dos setores de RH, quanto da escassez de talentos em algumas áreas.
- Antes as empresas estavam apenas preocupadas em saber se o candidato vinha de determinada universidade de primeira linha. Agora as companhias focam mais no perfil pessoal e nos valores - afirma Danilo Castro, diretor executivo da Page Personel, empresa de recrutamento e seleção que tem feito processos seletivos nesses moldes.
FORMAÇÃO COMO CRITÉRIO DE DESEMPATE
Não é que o currículo deixe de ser considerado. Em alguns casos, é fundamental fazer um filtro inicial e avaliar o domínio das habilidades técnicas. Mas especialistas dizem que importa mais a forma que o profissional se coloca. Isso vale especialmente para vagas de perfil júnior, operacional e para diversos níveis em áreas que envolvam criatividade. Cargos estratégicos também podem ser definidos dessa forma, mas isso costuma ocorrer quando há uma indicação.
Na agência de publicidade 11:21, o dono Gustavo Bastos é radical no dizer que, entre os funcionários da empresa, não há nenhum cujo currículo ele tenha olhado antes de conhecê-lo.
- Não contrato currículos, eu contrato pessoas - diz Bastos - E a ordem dos fatores altera o produto; o currículo vai ser vir como critério de desempate em momentos pós -entrevistas.
Na Icatu Seguros, o processo pode acontecer assim dentro de programa " Indique um Talento", no qual empregados indicam candidatos para vagas.
- Podemos chamar para conversar mesmo sem oportunidade disponível. Procuramos identificar o perfil comportamental, o que só é possível na entrevista - diz Milena rosa, especialista em Recrutamento e Seleção da Icatu.
Luisa Sucupira, especialista de marketing, até teve seu currículo avaliado, mas ele não tinha se destacado. Ainda assim, ela foi convocada apenas para uma "entrevista proativa", já que havia sido indicada no programa.
- A entrevista que começou genérica acabou direcionada para outra vaga, porque relatei experiências. Foi uma boa surpresa.
COMPORTAMENTO É O FILTRO QUE CONTA MAIS
ATITUDE FRENTE DO RECRUTADOS GANHA DESTAQUE E EMPRESAS QUEREM AVALIAR O POTENCIAL DO CANDIDATO
Quando formação e experiência não se tornam obstáculos, aumentam as chances de igualdade de oportunidades. A consultora de RH Jacqueline Resch lembra de um caso em que entrevistou uma candidata a gerente cujo currículo ela não chegou a olhar. Na conveersa, identificou que ela era perfeita para o cargo se não fosse um porém; não tinha ensino médio completo, como exigia a empresa. Como a entrevistada era muito boa, decidiu insistir com a companhia, que abriu exceção.
- Também vai depender do profissional de recrutamento ter flexibilidade e discutir com o cliente. Ter cuidado para não se entregar aos estereótipos é fundamental - afirma Jacqueline, que cita o filme Francês " Os intocáveis", em cartaz.
Na produção, um milionário tetraplégico precisa contratar um cuidador e acaba optando por um candidato que não tem nenhuma experiência no cargo e ainda um histórico duvidoso. Mas o patrão enxergou nele algo além da formação e acreditou no seu potencial.
- A escolha do candidato mais improvável acabou se mostrando bastante acertada. Com os filtros eletrônicos e pré-requisitos dos currículos, você pode acabar perdendo talentos. O que é uma contradição: cada vez mais as empresas buscam profissionais altamente qualificados, mas têm menos tempo para fazê-lo - ressalta a consultora.
A incorporadora MDL Realty tenta fugir desse círculo vicioso aos quais algumas empresas acabam se prendendo - e que é inevitável especialmente em casos em que há um número muito grande de currículos e cadastros recebidos. Como a prioridade é formar uma equipe jovem, o filtro por currículo não é aplicado pela companhia.
- Gastamos muito tempo com entrevistas. Preferimos, inclusive, trazer pessoas para formar aqui dentro, então precisamos olhar para os candidatos para identificar se têm potencial. Se o profisisonal não me transmite nada no bate-papo, msmo que depois eu veja que ele tem um ótimo currículo, sei que não irá se encaixar na nossa cultura organizacional - explica Virgínia Cereijo, responsável pelo RH da MDL Realty.
O processo de seleção invertido acontece com frequência na Saphyr, empresa especializada em shoppings centers, quando há recomendações. Acontecceu assim inclusive, com a própria diretora de gestão de pessoas da companhia Ana Beatriz Lemos
-Fui convocada para a entrevista sem que tivessem visto meu currículo. Contei minha experiência e acabei contratada - lembra ela, que, hoje dá continuidade à prática - Avaliar só pelo currículo é muito limitador. Mas ainda existem muitas empresas que estão presas a esse sistema mais tradicional de recrutamento e seleção.
Apesar disso, Andrea Krug da Clave Consultoria em Recursos Humanos, diz estar notando uma valorização cada vez maior da análise comportamental em detrimento da técnica:
- Temos clientes de programas de estágio e trainee com os quais fazemos filtros baseados em aspectos comportamentais em vez das tradicionais provas de inglês e raciocínio lógico.
MÉTODO MAIS EFICAZ EM ALGUMAS ÁREAS
Danilo Castro, da Page Peersonel, tem trabalhado também com empresas que procuram antes de avaliar o currículo e de fazer entrevistas, convocar o candidato para dinâmicas.
- Os profissionais que disputam a vaga primeiro pasam por cases, o que permite avaliar sem qualquer tipo de julgamento, para só depois se apresentarem. Essa metodologia permite filtrar como a pessoa é no dia a dia e como trabalha as suas competências e se relaciona com o grupo - diz Castro.
Carlos Magalhães, diretor-geral do novo programa da TV Globo "The Voice" diz que os jurados Cláudia Leite, Carlinhos Brown, Daniel e Lulu Santos estão muito sensibilizados com a experiência de julgar alguém sem ver ou ter informações prévias sobre a pessoa. Magalhães acha, porém, que o método pode funcionar melhor em algumas áreas de atuação, por isso não se deve generalizar a sua eficiência.
- Acho muito importante a avaliação pessoal dos candidatos para funções profissionais, mas a capacitação técnica e a experiência são fatores mais significativos em algumas atividades profissionais do que em outras.
SOFTWARES AJUDAM NA HORA DA CONTRATAÇÃO
Empresas buscam mais eficácia e uniformidade no processo de seleção de novos funcionários
Antigamente, quando buscavam trabalhadores para preencher vagas em seus call-centers, a Xerox priorizava candidatos que já haviam desempenhado a função. Mas um programa de computador detectou que experiência não importa tanto, mas sim a personalidade do profissional. Dados mostram que o tipo criativo tende a ficar mais tempo na função do que as pessoas masi inquisitivas.
"Tínhamos uma série de suposições que não se sustentavam" disse Connie Harvey, diretora de operações da área de serviços comerciais da Xerox em entrevista ao The Wall Street Journal.
Depois de um teste de seis meses que derrubou em um quinto a rotatividade de pessoal, a Xerox agora deixa todo o processo de seleção para seus call- centers - que empregam 48.700 pessoas - a cargo de um software que orienta candidatos a escolher entre enunciados como "Faço mais perguntas do que a maioria das pessoas" e "Os outros tendem a confiar no que digo".
INVESTIMENTOS CRESCEM 15%
Cada vez mais empresas deixam nas mãos de um algoritmo a contratação. Vagas que antes eram preenchidas com base no currículo e em entrevistas, agora de testes de personalidade e análise de dados. Não é de hoje que essas testagens são utilizadas. Porém, a novidade é a escola atual. Computadores poderosos e programas mais sofisticados permitem a avaliação de mais candidatos, o acúmulo de mais dados e um mergulho mais profundo na vida pessoal e nos interesses do indivíduo. No mundo todo, o gasto com o chamado software de gestão de talentos subiu para US$3,8 bilhões em 2011, 15%% a mais do que em 2010, segundo instituição de pesquisa Gartner.
Especialistas defendem que, apesar de a contratação ser uma atividade crucial das empresas, os métodos convencionais são desprovidos de rigor, e os motivos para contratar podem variar muito. Laszlo Bock, vice-presidente sênior da Google e conselheiro da Evolv, corporação que ajuda companhias a contratar e a administrar trabalhadores, acredita que os softwares vão suplementar, se não suplantar, muitas das decisões pessoais há muito tomadas na base do instinto ou intuição dos gestores:
"A primeira área a que empresas como a Evolv estão se dedicando é avaliar candidatos no ato da contratação, mas com o tempo podem passar e ajudar a decidir quem promover, por exemplo", afirmou.
Mas a contratação com base nesse método pode trazer riscos legais. Práticas que filtrem, ainda que involuntariamente candidatos mais velhos ou de minorias podem ser ilegais à luz da legislação americana. Se uma prática de contratação for acusada de discriminatória nos tribunais, a empresa precisa provar que os critérios que está usando são capazes de prever sucesso no cargo.
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