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A EDUCAÇÃO MORAL: HOJE SE PENSA NISSO?


A EDUCAÇÃO MORAL: HOJE SE PENSA NISSO?



"A Educação moral hoje visa à formação autônoma e não à obediência cívica"


Maria Suzana Menin - Coordenadora de uma pesquisa sobre o tema em escolas públicas do país, a docente explica o que faz um projeto nessa área ser bem sucedido: ensinar valores - e não impor regras - é o principal.


Ana Lígia Scachetti

Fonte: Nova Escola

Durante três anos, 12 pesquisadores de universidades brasileiras investigaram experiências desenvolvidas em escolas públicas do país na área de Educação moral. O esforço resultou na compilação de 1.062 relatos de iniciativas consideradas pelas instituições autoras como bem-sucedidas. Mas após a análise dos estudiosos, menos de 2% foram validadas como realmente interessantes e, no fim, somente 19 foram selecionadas para serem conhecidas de perto.

Coordenadora da iniciativa e professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), Campus Presidente Prudente, Maria Suzana Menin conta em entrevista os principais aprendizados obtidos com o estudo. Ela mostra que apesar do nome, essa linha de trabalho é muito diferente da antiga Educação Moral e Cívica. A disciplina era ligada à obediência cívica e não é isso que se deseja hoje. O foco atual é a formação de um sujeito autônomo, que defende valores como bons para si e para os outros, afirma.

Disponível na internet, o material será publicado em livro em 2013. O foco está em projetos realizados nos anos finais do ensino Fundamental e no Médio. O recorte foi escolhido porque é nessas fases que os educadores mais enfrentam problemas ligados à indisciplina, violência e ameaças.

Por que a maioria das experiências recebidas para a pesquisa não foi considerada interessante?
Maria Suzana Menin -  Eram casos focados em uma disciplina curtos ou expositivos demais sem a vivência dos valores, algo fundamental - pode ter ocorrido a transmissão de informações sobre os princípios, mas isso não foi incorporado pelos alunos. E o maior desafio é justamente esse! O projeto tem de penetrar nos espaços de convivência. Se o foco do trabalho é respeito, isso precisa aparecer na relação dos professores com os estudantes, entre as crianças e delas com os funcionários e com o ambiente. A situação encontrada nos fez, com o passar do tempo, mudar a nomenclatura que envolvia o estudo: experiências de sucesso passaram a ser chamados os casos interessantes. Avaliamos que dificilmente existiria um projeto completo e com resultados realmente bons.

Qual a maneira mais adequada de avaliar os resultados de um trabalho de Educação moral?
Maria Suzana - É necessário comparar o cenário presente com o anterior. O modo de fazer isso depende muito do que está em questão. Se for o respeito ao gênero, é necessário verificar os efeitos no dia a dia: o preconceito deixou de existir? Os comportamentos revelam que há mais respeito entre as pessoas? Se o projeto for sobre meio ambiente é preciso checar se todos passaram a ter preocupações com o entorno e se tomarem atitudes efetivas. Também é importante analisar se as práticas relacionados ao valor trabalhado continuam após o projeto. Se não, entende-se que houve apenas imposição de regras e controle disciplinar, e não uma vivência.

Qual a relação existente entre regras e valores?
Maria Suzana - As primeira envolvem valores e estes definem cada um delas. Durante a discussão das regras, nota-se que os valores têm de estar envolvidos no assunto. por exemplo, se há uma norma para levantar a mão antes de falar durante a aula, ela diz respeito ao funcionamento da classe e à possibilidade de ouvir e ser ouvido. Tem a ver com respeito, um valor. Fazendo uma análise como essa, podemos averiguar se a regra é válida ou se é arbitrária e sem significado. Vale ressaltar que existem valores inegociáveis, como a justiça e a cooperação. Todos têm a a ver com conflitos e situações de queixa e de sofrimento moral.

Qual o ganho das escolas ao realizar um projeto dessa natureza?
Maria Suzana - Para nós pesquisadores que olhamos a instituição de fora é difícil verificar os benefícios a longo prazo. Descobrimos nas entrevistas com os alunos e professores durante a pesquisa que houve uma incorporação do que foi trabalhado. As falas e o clima revelaram memórias duráveis. Visitei uma escola localizada em uma cidade pequena no Rio de Janeiro, que fez anos atrás um projeto durante um ano sobre eleições porque lá havia problemas relacionados à compra de votos. Todos os estudantes da época conheciam alguém que já havia sido convencido a votar num candidato em troca de uma TV. Conversei com ex-alunos e eles disseram ter ficado mais atentos e conscientes após a realização do trabalho.

É possível qualificar a presença do assunto no dia a dia das escolas brasileiras?
Maria Suzana - A Educação moral não é vista como algo importante por muito professores. É considerada algo a mais. Mas sem isso a educação não acontece. Existem outros problemas que impedem esse trabalho. Um deles é a rotatividade da equipe. Como fazer um projeto se os profissionais não ficam n mesma escola por muito tempo?

As faculdades preparam os docentes para trabalhar com o tema?
Maria Suzana - Muito pouco. No currículo de Pedagogia e das Licenciaturas, Educação moral é quase inexistente. Uma falha na formação inicial. ela deveria ser obrigatória no currículo da área de Psicologia da Educação. O ensino de conteúdos ainda é considerado por muitos como a única função docente. No entanto é impossível cumprir isso se as crianças e jovens não tiverem um comportamento mínimo de respeito para com o outro e consigo mesmo, dentre outras coisas.

O trabalho de Educação moral com crianças e jovens deve ser associado a uma disciplina específica?
Maria Suzana - Ele pode começar relacionado a uma área, mas sem um educador sendo seu dono. Se isso acontecer, a moral não estará sendo vivenciada nos outros espaços da escola. As disciplinas de Ciências Humanas tocam frequentemente em valores. então, muitas vezes, o alerta para os temas a serem trabalhados nessas aulas, mas vale lembrar que a moral é uma temática transversal.

A partir de que faixa etária o tema pode ser abordado?
Maria Suzana - Sem dúvida, desde a Educação Infantil. Luciene Tognetta da Universidade de Campinas (Unicamp), possui estudos sobre o altruísmo, o respeito e a generosidade e há várias ações ligadas a eles que podem ser realizadas com os pequenos. O respeito ao colega no sentido de não fazê-lo sofrer e o entendimento de que não se deve agredir o outro porque causa dor e mágoa são exemplos. Com estudantes maiores, devem ser abordadas questões de juízo moral e problemas como violência, a indisciplina e a resolução de conflitos.

Como ocorre o desenvolvimento dos pequenos em relação à moral?
Maria Suzana - No início, eles incorporam valores como algo que existe no ambiente; começam imitando e vão aprendendo ou não a fazer o julgamento das situações. Mas isso depende muito dos adultos que o cercam. Pro exemplo, se uma criança briga com outra e o educador ou pai diz: "aqui não é lugar de brigar" a colocação não reforça o ponto de vista moral. Quando é dito: "se brigar você machuca o colega". Não há outra forma de resolver o problema? Aí sim, é dado um referencial para ela julgar a situação, refletir sobre a questão. Aos poucos, com o passar dos anos, a criança passa a fazer o que o biólogo suíço Jean Piaget (1896 - 1980) denomina hierarquia de valores e define os mais importantes e centrais para ela. É essencial compreender que se ensinam valores na convivência com o outro, nas ações, nas práticas e nas relações sociais. Não é algo simplesmente transmissivo. Tem de ser praticado para ser compreendido e incorporado.

Alguns projetos sobre moral acabam esbarrando em questões religiosas. Como lidar com esses casos?
Maria Suzana - A religião muitas vezes dá origem às ideias de projetos escolares e há casos em que o autor o faz justamente porque é religioso ou espiritualizado, crê que com a crença religiosa é possível formar pessoas e um mundo melhores. Embora a religião não seja antagônica à Educação moral, esta não pode se limitar ao ensino religioso senão se torna tendenciosa. As pessoas têm de ser livres para pensar, decidir e arcar com suas escolhas.

Como organizar um diagnóstico sobre os valores que precisam ser abordados em um projeto institucional?
Maria Suzana - Os professores devem ser sensíveis aos problemas existentes na escola e os estudantes precisam ser ouvidos. Isso é obrigatório. Caso contrário, a escolha do que precisa ser trabalhado será arbitrária, o que é indesejável, pois não envolve de fato a todos.

Quais são os papéis da escola e da família no ensino de valores?
Maria Suzana - Muitas vezes, a equipe docente acha que não deve trabalhar com Educação moral porque isso é uma tarefa que cabe à família. Mas hoje estudiosos afirmam que vivemos uma situação em que a força da competição, da imagem e do poder duela com o respeito e a cooperação. a educação está percebendo a crise e entendendo que tem de enfrentá-la. Querendo ou não, os educadores promovem esse tipo de reflexo em cada relacionamento, julgamento, avaliação crítica e proposição de regras. Assim, eles e a família devem atuar. No entanto, de formas diferentes. Os primeiros lidam com o  coletivo e trabalham com a questão da igualdade. Têm de tratar todos com as mesmas regras e  os mesmo princípios. Já os familiares trabalham com valores individuais como a cooperação, a solidariedade, a generosidade e a bondade, e protegem os seus. Na família, como a escola a moral vivida é moral ensinada. De nada adianta fazer discursos se as práticas os contradizem.

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