O estupro marital - quando a mulher é violentada pelo marido, só é considerado crime em 52 dos 193 países integrantes da ONU. No Brasil, a agressão é incluída na Lei Maria da Penha, mas em boa parte do mundo, a mulher não conta com uma legislação específica que considere o marido como agressor.
2.6 milhões de mulheres e meninas vivem em países onde o estupro dentro do casamento não é claramente criminalizado, segundo estimativas da ONU e estima-se também que uma em cada três mulheres já tenha sofrido algum tipo de violência física e/ou sexual no casamento.
Ao longo da história, a mulher sempre foi vista como um tipo de propriedade e o sexo visto como uma obrigação contratual ligada ao casamento. Deste modo, a violência sexual não era criminalizada quando praticada dentro de uma relação íntima
O estupro significava um crime de honra (do homem, da família) e não um desrespeito ao corpo feminino. Remonta ao século 17 a ideia de que o marido não deve ser responsabilizado por estuprar sua mulher, juristas viam o casamento como uma forma consensual de relacionamento - ideia mantida em muitas culturas até hoje.
O estupro marital foi instituído pela ONU como uma infração aos direitos humanos em 1993 (!). recomendando que o casamento ou nenhum outro tipo de relacionamento constituam defesa em caso de violência sexual, mas esta medida avança a passos lentos no mundo.
As legislações avançadas sobre o assunto, estão mais presentes em países da América Latina. Países como Brasil - como a Lei Maria da Penha - Argentina, Bolívia e Equador revisam suas leis para considerar a violência sexual como uma violação. Alguns países africanos como Lesoto, África do Sul, Namíbia e a Suazilândia, também incluíram em suas leis penalidades para a violência sexual no matrimônio.
Países como Paquistão, Arábia Saudita, Índia e China não consideram o estupro do marido contra a esposa como um crime. Na Índia só é considerado violência quando a mulher casada tem menos de 15 anos. O Sudão do Sul, país criado em 2011, determina, que mesmo forçada, a relação sexual entre marido e mulher não é considerada estupro.
No Paquistão, os conselheiros religiosos consideram 'anti-islâmicos' toda legislação que surge em defesa dos direitos da mulher, o estupro no casamento não é considerado crime. Os dogmas religiosos argumentam que a mulher deve sexo ao marido pela virtude do casamento, não sendo neste caso nem cogitada a ideia de consentimento. Argumentos semelhantes também são usados por clérigos hindus na Índia.
Os discursos religiosos estão sob o comando dos homens enfraquecendo deste modo interpretações a favor do direito da mulher. O mesmo acontece com o estupro marital.
O fator religioso acaba por reforçar esta visão da mulher como objeto, propriedade, como é o caso de países com legislações baseadas na sharia - a lei islâmica - e no hinduismo. Livros sagrados podem ser usados como uma justificativa, já que podem ser interpretados de muitas formas diferentes, até mesmo como um meio de reforçar a obrigação do sexo, é o que dizem pesquisadores das questões de gênero.
Ativistas que se dedicam a estudar e defender a valorização da mulher,lembram que o conceito de estupro marital não é visto como crime e tem um fundo cultural e que ideia de masculino como figura de poder pleno é visto em muitas culturas.
O surgimento de qualquer tipo de fundamentalismo religioso torna acirrada a dominação do homem sobre a mulher. Até hoje existem homens que acreditam terem o direito de controlar a mulher em qualquer lugar do mundo.
O estigma do divórcio em algumas culturas, assim como a dependência do marido, faz com que mulheres optem pelo silêncio. Mesmo em países onde o estupro marital é crime é preciso mudar a forma como as denúncias são feitas e dar segurança às vítimas, criando uma rede de proteção onde a mulher possa vislumbrar um recomeço.
É preciso pensar numa mudança de mentalidade fruto da cultura, o que passa também pelos conselheiros religiosos. A mulher precisa ter a certeza de que ao denunciar será respeitada e não constrangida por quem a recebe leia-se polícia e autoridades, que haverá uma retaguarda por parte dos encarregados de pôr em prática as leis e que nos seus atos imediatos e aparelhos a façam se sentir segura e merecedora de dignidade, mesmo que depois de tudo por motivos que devem ser respeitados, ela decida retirar a queixa. Nisso falamos também de uma equipe multidisciplinar, pois todas estas questões são complexas.
E no Brasil?
No Brasil, o estupro é crime contra a honra e a honestidade das famílias e não contra a mulher. O Código Penal somente em 2009 passou a tratar o estupro como um crime contra a dignidade e liberdade sexual da mulher. O estupro marital está hoje na lista de agressões punidas pela Lei Maria da Penha.
Conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante agressão física ou ameaça grave constitui crime de estupro, inclusive praticado pelo marido com pena prevista de 6 a 10 anos de prisão. É o que diz a Lei.
O chamado estupro de vulnerável quando a vítima tem menos de 14 anos, se apresenta doença mental ou quando a vítima não consegue oferecer resistência que é caso de uma mulher fragilizada, é contemplado dentro de estupro marital na legislação brasileira.
A situação de violência por todo o dano físico e emocional envolvido, deixa a mulher vulnerável aos poucos. Chega um momento que ela não consegue dizer não, não se opõe ao parceiro. Casos em que a mulher está dormindo, dopada , embriagada, fragilizada emocionalmente pela repetição dos abusos e agressões. Todos são considerados estupro de vulnerável.
Esta ideia histórica da mulher como propriedade ainda permeia a mentalidade de certos homens que se acham donos do corpo da mulher, um território onde exerce poder. Por isso muitos homens não aceitam ouvir 'não'.
A palavra vítima ainda tem muita força na legislação brasileira. No caso do estupro marital é crime praticado em condições especiais por ser dentro de casa e sem testemunhas. Ainda que não haja um vestígio diretamente relacionado com o estupro, é possível perceber suas sequelas. No exame, a perícia pode ou não atestar uma relação sexual recente, mas não é o essencial. O ideal é que se realize a perícia psicológica, pois a agressão sexual deixa lesões psíquicas, traumas e causa doenças como depressão e o estresse pós-traumático.
As denúncias deste tipo de estupro ainda são raras, já que muitas consideram nem ter o direito de dizer "não" e não sabem que são estupradas. Denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo 180. Elas devem procurar uma unidade da Delegacia de Mulher ou o Ministério Público.
Por Regina Bomfim
Por Regina Bomfim
Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirAinda há um longo caminho na discussão deste tema e a informação ajuda muito !
Parabéns pelo texto!
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Grata querida
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ResponderExcluirÓtimo texto!
ResponderExcluirGrata pela visita!
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