Este post já estava programado há um tempo, mas algo aconteceu comigo e desejo compartilhar, pois me fez refletir...
Ontem, conversando com um conhecido percebi algo em mim... Quase sempre quando nos falamos, por gostarmos de ler, um pergunta ao outro sobre o que está lendo. Eu falei que lia poesia e ele, achou bom, mas senti que minimizou. Disse que lia um livro (ele falou o título, que agora não lembro), mas era um livro com uma visão científica e filosófica. Somos confrades de uma sociedade religiosa e gostamos de ler sobre o tema, além das leituras do trabalho de cada um.
Questionei porque a poesia anda esquecida como produção e ele disse que neste momento da humanidade, a busca maior são de reflexões que busquem mais o conhecimento.Eu disse que a beleza também deveria ter um lugar, assim como o exercício de relativizar a palavra que a poesia traz. Fiquei um pouco mal por dentro, queria contestar mais, porém, recuei deste movimento e observei minha alma vendo que muito pouco gosto de ser contestada. Deu até aquele "nó no estômago" de responder, mas aí pensei:
Será que era importante replicar? Será que é importante a todo instante ter uma posição formada sobre tudo? Será que o valor do que penso está tão enraizado na minha autoimagem que ser contestada por alguém é sentir o meu ser total ameaçado, desvalorizado, quando o que está em jogo são apenas pensamentos de pessoas que são únicas e têm o direito de pensarem o que e como quiserem sem a necessidade do pensamento convergir para um ou outro lado? Levei pra terapia e daí vi que observar estes meus movimentos sem julgá-los, mas apenas vê-los quando e como acontecem é importante para mim como profissional do ramo da saúde mental e como alguém que é aprendiz. Será que uma coisa é diferente da outra?
As convulsões de nossos tempos nos fazem ir em busca da compreensão mais ampliada nossa realidade. Isso acontece e é positivo. Meu conhecido está correto no que diz, mas e a beleza, a beleza que diz a verdade a seu modo? Será que há lugar para a poesia?
E para isso trago Marcio Tavares do Amaral com seu artigo É hora para a poesia? O que você acha? Ih! sem querer acabei fazendo uma escrita terapêutica...rs
Regina Bomfim
É hora para a poesia?
Tem hora para a poesia? Faz escuro, mas eu canto"; escreveu como quem grita contra a noite Thiago de Mello. "... um terceiro tom/ a que chamamos aurora", disse Drummond, num poema triste. "Meio dia, hora da sombra mais curta. Uma algazarra de todos os diabos", foi a palavra de Nietzsche. "A tarde semeia ruínas sobre o corpo", também disse alguém atento ao tempo. E Manuel Bandeira: "O dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com seus sortilégios)". Não há tempo para a poesia. Ela é maior do que os ponteiros que passam. Fica para sempre, como o quarto de Bandeira, "intacto, suspenso no ar". A poesia está suspensa no ar. Nós a respiramos. Só da música somos mais devedores para viver "A música, antes de qualquer coisa", escreveu Verlaine. Mas era preciso um poeta para dizer assim tão claramente a verdade.
Andamos necessitados demais de poesia. E dos poetas. Eles já foram anunciadores do futuro e os senhores do passado. Homero cantou o começo da Grécia. Hesíodo, os inícios do mundo. São João da Cruz anunciou as bodas com o Amado, a fusão futura com Deus. Também cantaram o presente, o "tempo presente, o mundo presente, a vida presente" (de novo Drummond). E sonharam.. Rilke sonhou. Rimbaud sonhou. Porque sonhar é do homem. Precisamos demais dos poetas porque estamos perdendo a capacidade do sonho. O gosto. A necessidade. Não falta muito e nos convencemos de que os sonhos, no final das contas, não são úteis. Ocupam o espaço das compras. E já tudo foi escrito no tempo em que a Humanidade, pouco prática, vivia se encantando. A poesia de todos os tempos talvez valha um arquivo bem compactado. E pronto. Depois, as coisas sérias.
Na China e no Japão, o último gosto de vida de um samurai antes do suicídio ritual era compor um poema. Aquele que diria quem ele foi. Quando o completava, podia morrer convencido de que o mundo estava completo. A morte perdia sua importância. O fim, o glorioso, era o último poema. Sobre ele os olhos podiam se fechar. No Ocidente grego e latino os poetas usavam coroas de louros. Era o reconhecimento da cidade ao poder da poesia. Coroas cívicas , como a dos guerreiros depois de seus feitos. A poesia era um grande feito.
Não é mais. Ainda há poetas, é claro. Não são uma seita secreta. Mexem com a vida dos que os leem. Adélia Prado conversa com Deus no miúdo da vida comum, a dela e as nossas. Poetas ganham até o Nobel de Literatura. Mas talvez já não aconteça de, quando passa a procissão que os leva ao túmulo (os poetas morrem; a poesia é que não), os homens espantados tirarem o chapéu. E haver tristeza na cidade.
Há poetas e são bons. Devagar, devagar de demais vamos aprendendo que a poesia não é propriedade do Ocidente europeu e das suas transplantações pelo mundo. Chega da África, vem da Ásia junto com o sol quando se ergue molhado de mar. Também a poesia se globaliza, e esse talvez seja um antídoto frente a essa mundialização maior, que traz vantagens que fluem das grandes tecnologias novas, mas também faz encolher a linguagem. Não é bom que a linguagem de todos os dias fique pequena. Porque quando a poesia chega, com suas palavras extraordinárias, não cabe nos tradutores de sinais que alimentam a nossa comunicação. Ou ao contrário. Correm na internet monte de "poemas de Fernando Pessoa". São péssimos prolixos, derramados, com palavras demais e poesia de menos. Fraseado de almanaque. Poemas de araque. Como se "os produtores de conteúdo" quando se põem a falsificar poesia, só conseguem imaginá-la grande e desconjuntada, tão fora do bom parâmetro dos 140 caracteres. A poesia fica manca. Os petas ficam tristes. E não adianta desmentir, gritar contra a falsificação. Na rede não há ouvidos. Não para isso.
Por que precisamos de poesia numa hora dessas? Porque é uma hora dessas. Estamos em transição e não sabemos exatamente para onde. Há coisas em perda, com certeza. E certamente há coisas em ganho. Não sabemos para onde pende a balança, porque perdemos a chave desse cálculo. "Trouxeste a chave?", perguntou Drummond. Não, não trouxemos. Perdemos a chave. Mas a porta ainda não se fechou. Estamos num mundo entre mundos. Nosso lugar agora é estarmos entre. Assusta e atrai. Traz as tentações de fuga para o deserto, por medo do futuro, e no mergulho do abismo, pela vertigem do presente. O mundo ficou vertiginoso - a poesia pode dar ritmo à vida. Reencantar o planeta. Florir os desertos, tirar os assustados do isolamento. Talvez poucos prestem atenção à passagem do anjo da poesia. Mas quem guardou os olhos luminosos da infância vai ver. E cantaremos à vida um canto novo. Pode ser bom.
Fonte: O Globo
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