Sou uma mulher sem filhos e confesso que embora tenha melhorado muito em relação a encarar procedimentos cirúrgicos com algum equilíbrio emocional, sempre tive medo, muito medo de parto e sobre este prisma, considero até um livramento o Universo não ter me feito passar por esta experiência, apesar de adorar crianças, Considero que parto é para as fortes.
Há tempos penso em escrever sobre este assunto, mas não sei porque, acabei desistindo. Talvez tenha sido por me considerar uma pessoa sem conhecimento, vivência da causa. Lendo uma matéria no jornal sobre o assunto, não pude deixar de me comover com a mãe que foi armada para a sala de parto decidida a acabar com a própria vida, caso sofresse nova violência.
Contar com a humanidade e o acolhimento dos profissionais de saúde envolvidos em todas as etapas do cuidado com a saúde é essencial em todas as situações, ainda mais no parto onde este grande mistério que é a vida se manifesta. Uma amiga, mãe de duas filhas agora já adultas certa vez me disse algo muito marcante:
- É o momento mais bicho do ser humano.
Apesar destes profissionais que dominam esta ciência terem um olhar mais técnico e algumas vezes precisarem improvisar pois certos hospitais carecem de condições adequadas de trabalho. Isso também existe e confere a este tipo de ambiente em situação precária, um estresse maior.
Me chamou atenção no texto ver relatos de pessoas com alto nível sócio-econômico sobre situações que afetaram e ainda afetam suas vidas em decorrência desta experiência, pensando em não ter mais filhos tamanho trauma. Isso também existe.
Trazer o assunto da violência obstétrica, é falar de um tema que boa parte das mulheres têm conhecimento de causa, é falar sobre as várias formas de violações ainda sofridas pelo fato de ser mulher em pleno século XXI, é falar sobre ignorar/ subestimar a voz do outro, objetificá-lo e estereotipá-lo (a mulher resiste, ela é forte…) ou seja, os avanços ainda não permitem que o feminismo seja um assunto ultrapassado.
A dona de casa Paula Oliveira Pereira, de 28 anos foi presa por porte ilegal de arma que ela levou para a sala de parto disposta a se matar caso sofresse novamente violência. Ficou detida por 21 dias, longe do seu filho recém-nascido sendo liberada após a juíza chegar à conclusão que sua intenção não era ferir ninguém e por isso poderá responder o processo em liberdade. O relato do seu caso viralizou nas redes e mães famosas em seus canais trouxeram suas experiências.
No parto do seu quarto filho ela disse que ficou sozinha na enfermaria de um hospital da rede pública sentindo dores, sem acompanhamento e que caiu da maca com a barriga para baixo pedindo para que fosse feito uma cesariana. Durante o parto, uma enfermeira debruçou-se sobre sua barriga, num procedimento chamado manobra de Kristeller que não é recomendado pelo Ministério da Saúde. O bebê nasceu de parto normal e sem nenhum problema. Paula ficou semanas sem poder levantar da cama.
O texto no jornal foi muito bem escrito, contemplando vários ângulos do caso para que o leitor construa o seu entendimento do assunto, como é função do jornalismo. Porém, ao ler o texto, percebi que a força do texto se diluiu no momento que o mesmo sentiu a necessidade de mencionar que a mulher com quatro filhos estava grávida novamente e seu marido estava desempregado.
Desde de então, como leitora, vendo outros relatos, a perspectiva de profissionais e estatísticas, percebi que ao longo de todo texto só vinha à minha mente o fato da mulher com quatro filhos estar grávida novamente com o marido sem trabalho, o que me deu a impressão do uso da conduta recorrente nos casos de violação dos direitos da mulher que é de antemão procurar culpabilizá-la e a acusação mesmo sendo publicada, perde um pouco o vigor pelo julgamento sutil que ficou ali: da mulher pobre que tem filhos sem condições. Ter filhos sem condições era o foco da questão ou o fato de sofrer violência? Justifica sofrer violência tendo filhos sem condições? Fazer menção a este dado iria comprometer o entendimento do texto?
Instrumentalizar a mulher de modo que saiba do direito de ser respeitada em sua dignidade como ser humano, pois muitas sofrem violência e não sabem que sofreram. Negação de alimentos, não dar anestesia, violência emocional (dizer que grita muito, que é escandalosa...), a manobra de Kristeller proibida pelo Ministério da Saúde acima mencionada e outros métodos para acelerar o nascimento do bebê, imobilizar a mulher são tipos de agressão.
É possível denunciar ao Ministério Público. (a vítima optou por não fazer). A pesquisa da FIOCRUZ NASCER BRASIL, indica que 25% da mulheres já sofreram violência obstétrica e que 70 desejariam parto normal, o que significa que condutas precisam ser revistas em todas as suas etapas tanto nas instituições públicas quanto privadas.
Existe hoje em dia a chance de pesquisar. Decidi não recomendar nada, mas deixar a (o) leitor (a) a tarefa desta busca Há fóruns, blogs, canais de vídeo, artigos diversos na web e acho sempre importante ter com o médico previamente um diálogo aberto sobre dúvidas, as etapas do processo e possíveis dificuldades porque este é um momento importante na vida de uma mulher e cada mulher vive ao seu modo. Que seja vivido com todo respeito que o ser humano merece.
Regina Bomfim
Photo by Leandro Cesar Santana on Unsplash
Comentários
Postar um comentário