Poética
Manoel Bandeira
Estou farto do lirismo comedido
do lirismo comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto e expediente protocolo e
[manifestações de apreço ao Sr. Diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho
[vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto de lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
O resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante
[com cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shekespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Fonte: Os cem melhores poemas brasileiro do século - Ítalo Moriconi. Objetiva 2001
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