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CODEPENDÊNCIA


Codependência: A doença da perda da alma

"Ninguém pode nos ferir sem o nosso consentimento"
Eleanor Roosevelt

Roberto Ziemer

Você se sente diferente das outras pessoas? Desconfortável com elogios? Tem grandes dificuldades para aceitar críticas? Sente-se sozinho ou vazio quando não está com outras pessoas? Critica-se de forma exagerada quando erra? Sente dificuldades para expressar sentimentos? Só aceita ajuda em último caso? Tem medo de perder o controle? Sente-se melhor quando resolve os problemas de outras pessoas? Tem dificuldades para colocar limites ou dizer "Não"? Acredita que se pudesse mudar os outros, sua vida melhoraria?

Estes sintomas não são aleatórios, mas fazem parte de um transtorno emocional chamado de codependência, que vem contaminando, em diferentes níveis, todos aqueles que vivem em nossa sociedade. De forma sintética, a codependência é a doença da perda da alma ou de nossa verdadeira identidade. É uma maneira de sobreviver a situações dramáticas e crescer em ambientes inseguros e dolorosos.

Com o tempo nos distanciamos tanto de nossa verdadeira identidade que acreditamos em sua inexistência e, simultaneamente, nos identificamos completamente com o eu falso ou codependente. Esta separação interna nos leva a acreditar que apenas alguém, ou algo fora de nós, pode nos trazer a felicidade. Atualmente não faltam exemplos que demonstram a força deste mal-entendido: é o casal de namorados que acredita que o casamento vai resolver todos os problemas; é o casal de meia idade que acredita que a viagem para a Europa resgatará o romance na relação; é o gerente que sonha com a diretoria ou presidência da empresa para se sentir realizado. Como comentou Joseph Campbell: "não há nada mais frustrante do que subir uma escada (sonhos e projetos baseados na codependência) e perceber, ao final, que ela estava apoiada sobre a parede errada".

Infelizmente este engano básico é transmitido e reforçado pelas pessoas mais importantes de nossa vida: pais, professores, amigos e mesmo nossos heróis ou figuras de referência. É reforçado, para benefício próprio, pelos meios de comunicação, governos e religiões, que se apóiam na codependência para aumentar seus ganhos ou número de devotos.

Nas famílias disfuncionais, em que os pais usam seus filhos para preencher as próprias necessidades emocionais, as crianças logo aprendem que sentimentos positivos sobre elas mesmas (auto estima) dependem do estado de humor dos adultos à sua volta. Este tipo de relacionamento, gradativamente, vai minando a auto-confiança da criança, estabelecendo as bases para um indivíduo dependente, inseguro, "escravo" das necessidades e desejos alheios.

Muitos padrões de codependência são extremamente valorizados e recompensados, desde o início da interação entre pais e filhos. Crianças extremamente obedientes, desejosas de agradar e que facilmente cedem aos desejos alheios são freqüentemente avaliadas como "crianças exemplares". Ao contrário, aquelas que não se deixam moldar a este padrão são rotuladas de "ruins", "más" ou "egoístas", podendo receber todo tipo de ameaças e castigos.

A codependência é mais evidente nos relacionamentos com pessoas importantes de nossa vida, com as quais compartilhamos algum nível de intimidade, ou com aquelas com quem nos sentimos inseguros ou ameaçados. Nestes momentos perdemos nossa força e direção interiores, e somos repentinamente dominados por sentimentos e pensamentos de fracasso, incompetência e impotência. Este processo é chamado de "regressão etária" - deixamos de nos ver e nos comportar como adultos, e somos dominados por memórias ameaçadoras de situações da infância ou adolescência.

A codependência tem origem e é reforçada nas instituições (família, escola, empresa, igreja) baseadas em regras rígidas de comportamento que impedem a espontaneidade, em que não há espaço para a expressão de nossa verdadeira identidade.Algumas das regras mais comuns nestes ambientes são:

Não fale de problemas ou conflitos - isto pode ser interpretado como crítica ou ataque àqueles que estimamos ou dependemos. Além disso, não faça esforços para resolver realmente os problemas, pois ao contrário do discurso, estes precisam perdurar para que algumas pessoas continuem controlando ou comandando;

Não expresse sentimentos - sentimentos podem revelar temas ou assuntos proibidos (tabus). Também podem reavivar memórias que a maioria das pessoas gostaria de esquecer;

Sempre se comunique de forma indireta - muitos pais, professores ou líderes de empresa têm dificuldade de comunicar-se e expressar-se de forma direta e transparente. Isto obriga a uma comunicação indireta, por meio de intermediários;

Não seja egoísta - preocupe-se com os outros em primeiro lugar, principalmente aqueles que têm "problemas". Suas necessidades e desejos não são importantes - coloque-as no final da lista;

Faça o que eu digo, não o que eu faço - aqueles que têm poder - adultos (para a criança) e líderes (para os adultos) - muitas vezes não se sentem obrigados a fazer o que falam, mas exigem que as pessoas que delas dependem se iludam com seus discursos;

É proibido brincar e relaxar - é preciso estar sempre ocupado, fazendo alguma coisa, atento e preparado para a próxima crise. Relaxar é perigoso, pois permite uma conscientização das regras tóxicas do grupo;

É proibido errar - errar é vergonhoso e passível de punição ou humilhação, pois revela que somos imperfeitos, pecadores, distantes da meta cristã ("à imagem e semelhança de Deus"). Por isso, se errar esconda, ou encontre um culpado;

Sacrifique-se - não se preocupe com suas necessidades, nem com os sacrifícios que você terá que fazer para "ajudar" (salvar) os outros, ou encobrir suas dificuldades.


Os padrões de codependência


Sob a influência das regras de conduta estabelecidas pelos grupos com os quais convivemos (expostos acima), da qualidade de nossos primeiros relacionamentos e de nossa própria constituição psicológica (tendências inatas), escolhemos papéis ou padrões de codependência que definem nossas escolhas, comportamentos e atitudes. Estes papéis têm a função tanto de encobrir o vazio de identidade, quanto o de dar algum significado à nossa percepção confusa ou distorcida de mundo.

"Salvador" ou "Consertador" - a auto estima destas pessoas passa a depender da capacidade de ajudar ou "salvar" outras pessoas, especialmente as "vítimas", aquelas que não querem se responsabilizar pelos próprios problemas;

"Agradadores" - estão sempre preocupados em agradar, pois não acreditam que as pessoas com as quais convivem possam achá-los interessantes - com base numa auto estima negativa os "agradadores" estão sempre se achando inoportunos ou impróprios;

"Inadequados" ou "perdedores" - sentem-se como os "agradadores" - imperfeitos, "defeituosos", "errados" - mas desistiram de fazer qualquer esforço para agradar. Ao contrário, se envolvem em situações difíceis ou desastrosas apenas para confirmar o papel de "perdedores";

"Perfeccionistas" - acreditam que apenas serão amados ou reconhecidos se forem "perfeitos". Perfeccionistas são extremamente críticos e severos consigo mesmos e com os outros, o que gera relacionamentos conflituosos e estressantes;

"Super-empreendedores" - são escolhidos como "heróis" da família, aqueles que irão encobrir as dificuldades, humilhações e derrotas do passado através de grandes feitos - tornarem-se cientistas renomados, empresários de sucesso, artistas conhecidos. Tem compulsão pelo trabalho, e pouco tempo para relacionamentos com outras pessoas ou consigo mesmo;

"Narcisistas" - são extremamente inseguros e apresentam baixa auto estima, que encobrem com uma "fachada" de autoconfiança elevada e grande capacidade de manipular e iludir os "agradadores", "inadequados" e "super-empreendedores". Não aceitam ser questionados ou criticados, e precisam ser sempre o centro das atenções.


Cura e Transformação


Os padrões de codependência, embora necessários nos primeiros anos de vida, tornam-se, gradativamente, fonte de frustração e limitação interior. Enquanto nossas ações e decisões estiverem sob a influência destes papéis estaremos impossibilitados de ter uma vida plena e satisfatória.

Para modificar esta situação precisamos estar dispostos a encarar um programa de auto desenvolvimento, que seja capaz tanto de nos ajudar a identificar e desvencilhar dos padrões destrutivos (eu falso), quanto apoiar a manifestação de nossa verdadeira identidade (eu verdadeiro), como descrito no quadro abaixo.

Eu falso ou codependente

Eu verdadeiro


Tende a extremos - ou é agressivo ou apático

Assertivo - consegue afirmar-se de forma construtiva


Não sabe lidar com limites - ou é agressivo ou isola-se

Sabe lidar bem com limites - sabe dizer "Sim" e "Não" de forma apropriada


Percebe o outro como útil a si mesmo

Percebe o outro com suas próprias necessidades


Ou evita assumir responsabilidade ou assume responsabilidades dos outros

Assume responsabilidade de forma apropriada


Controla de forma obsessiva

Não preocupa-se em controlar - confia


Rejeita críticas e feedback

Aceita críticas e feedback


Expressa a raiva de forma destrutiva

Expressa a raiva de forma apropriada


Não têm empatia por outras pessoas

Tem empatia por outras pessoas


É rígido e perfeccionista

É flexível e aberto


Contato pessoal é tóxico, enfraquecedor

Contato pessoal é energizante e tranqüilizador



Este programa deve contemplar:

Uma busca pela verdadeira identidade - na medida em que a codependência se fortalece, perdemos contato com nossa natureza interior (alma). Através da identificação, questionamento e transformação dos papéis falsos descobrimos que existe uma maneira mais espontânea e saudável de estar no mundo;

Uma reconexão com nossos sentimentos - sentimentos e emoções são o centro de nossa vida interior, os aspectos centrais que dão significado ao que somos e fazemos. Sem o contato com nossos sentimentos não há possibilidade de cura ("no feeling no healing");

Uma conscientização de nossas necessidades - satisfazer nossas necessidades básicas é fundamental para que possamos evoluir e desenvolver nossas capacidades superiores ou espirituais (auto realização);

Um espaço seguro - existem poucos lugares em que podemos realmente expressar quem somos, tanto nossas dificuldades e conflitos quanto nossos sonhos e esperanças. Sem um espaço seguro e de apoio não seremos capazes de nos abrir e compartilhar a nossa história, elementos imprescindíveis para a cura;

Estabelecendo limites - durante a vida nossos limites físicos e emocionais foram muitas vezes ultrapassados e desrespeitados. Isto criou um sentimento de impotência, baixa estima e desrespeito em relação a nós mesmos. Reconhecer nossos limites e aprender a dizer "Não" são passos fundamentais para gerar um sentimento de valor próprio;

Compartilhando nossa historia - o que contamos aos outros sobre nós e a nossa história em lugares inseguros é geralmente superficial e distorcido. Para libertarmo-nos da codependência é necessário re-conhecer e re-contar "como tudo realmente aconteceu" num ambiente seguro. A cura está na verdade.

Criando novas regras e mensagens - após nos conscientizarmos e nos libertarmos das regras e crenças destrutivas criadas no passado, estaremos prontos para criar nossas próprias regras e mensagens, baseados no respeito a nós mesmo e aos outros;

Aprendendo a brincar e relaxar - à proporção em que nos libertarmos da opressão auto imposta (papéis de codependência) seremos capazes de nos reconectar com nossa criança interior, que representa os aspectos mais genuínos, espontâneos e criativos de nossa personalidade.


Roberto Ziemer é mestre em psicologia social pela PUC-SP e terapeuta formado pelo Grof Transpersonal Center. É palestrante e coordena grupos e seminários em transformação humana e organizacional, utilizando a metodologia dos sete estágios de consciência. É coordenador do Instituto de Psicohistória no Brasil, e professor da "Associação Palas Athena" de São Paulo. É autor do livro Do Medo à Confiança: como realizar seu projeto de vida (Editora Gente), e Mitos Organizacionais: O Poder Invisível na Vida das Empresas (Editora Atlas).


fonte: http://www.plenitudeonline.com.br/index.php?paginas_ler&artigos&id=931

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