O dia seguinte
Por Martha Medeiros
Você chorou quase a noite inteira, imaginou que não haveria saída e se sentiu tão desamparado e incrivelmente só que nem se atreveu a torcer pelo telefonema que tanto desejava, mas que surpreendentemente, chegou ainda pela manhã, acalmando toda aquela aflição. É para isso que existe o dia seguinte.
Você se envolveu num amor que nem era amor, apenas entusiasmo, uma necessidade de superar dores passadas. então, de uma forma madura, resolveu que era hora de deixar as coisas bem claras, mesmo provocando algum sofrimento. Sempre é melhor a verdade do que a farsa. Acordou sozinho, porém íntegro e pronto para histórias que não sejam forjadas. É para isso que serve o dia seguinte.
Você não sabia como pagar, não sabia como argumentar, não sabia como sair daquela sinuca, e dormiu com todos os demônios rogando pragas nos seus ouvidos, até que acordou calmo como um Buda e encontrou um jeito de resolver. Talvez a solução tenha sido assoprada durante o sono, não se sabe, mas não importa qual foi a força oculta que ajudou a desanuviar o problema, o que importa é que funcionou e confirmou que é para isso que existe o dia seguinte.
Foi a noite mais fantástica da sua vida? Valeu a pena se preparar por sete meses para viver aquele encantamento de poucas horas? Saiu tudo como o esperado? Mais espetacular impossível? Também é para isso que existe o dia seguinte: congratular-se.
Você não devia, mas enviou aquele e-mail com palavras rudes, acusações exageradas, uma historionice que nem combina com você, mas que saiu assim, teatral e colocando tudo a perder - e estaria tudo perdido mesmo, não houvesse o dia seguinte e a oportunidade de pedir desculpas.
Você se iludiu, como todos sempre se iludem. Acreditou em meia-dúzia de palavras sedutoras e construiu uma fantasia. Bem-vindo ao clube. Preferia continuar fantasiando? Para isso existe o dia seguinte: reconduzir você à realidade que nem sempre é animadora, mas ao menos é honesta.
Foi o dia mais tedioso da sua vida, mas sem nexo, perdido em sonolência e paralisia, 24 horas inúteis, uma postergação de tudo, porém serviu para alertar que este abatimento não representa você, e o dia seguinte, mesmo não sendo tão diferente, ao menos lhe devolveu o ânimo para ler um livro, sempre há uma maneira de salvar do nada absoluto.
E se todos os dias seguintes têm sido repetecos dos dias anteriores, se você está cansado de aguardar que o dia seguinte traga alguma novidade que lhe tire o chão e abra um novo, se você já se convenceu que o dia seguinte é uma esperança que nunca se concretiza e que só serve para enganar os trouxas, ainda assim, prepare-se: um desses dias seguintes iguais a todos não terminará como você espera.
Grande Martha! Um texto primoroso, capaz de provocar muitas reflexões e por isso foi algo que passou pelos meus olhos, tocou a minha alma e quis compartilhar com vocês. Martha consegue falar de esperança de modo muito lúcido e profundamente humano. "Bem-vindo ao clube", como disse no seu texto, o "clube" que nos iguala e ao mesmo tempo nos faz tão únicos. Aprendendo sempre... Que o Psicologia em Foco continue sendo esse modo de fotografar o mundo trazendo não verdades absolutas, mas compartilhando sentimentos e produzindo sempre novas reflexões. Grata pela atenção! (Regina Bomfim)
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